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Venda de eletrônicos

Se não entregar no amor, vai entregar na dor.

groselha

Naquele tempo, a venda de cupons de desconto era o suprassumo dos negócios na internet. Começou lá fora, com sites vendendo promoções para um monte de lugares, e logo chegou aqui. Era pizza por R$19,90, embelezamento automotivo com 70% OFF e massagem linfática por 10 conto a menos. E foi num deles que comecei minha carreira em tecnologia.

Meu primeiro cargo foi de webdesigner: salário de entrada, carteira assinada, trabalho presencial como faziam os australopitecos, um sonho e uma hora de almoço por dia. Minha primeira tarefa foi criar um kit de fotos para uma promoção nova — massagem linfática + algum outro tratamento, de preço alto por preço baixo, por maravilhosos x % OFF.

Minha rotina era:

  • Ver os detalhes de novas promoções com o time de vendedores;
  • Zerar o Google Imagens testando termos de pesquisa até achar pelo menos três imagens maneiras em sites de uso livre;
  • Organizar no Photoshop, colocar filtro, tirar filtro, evidenciar o principal da promoção;
  • Botar preço e desconto, conferir os detalhes para garantir que tava tudo certo (e já foi ao ar errado), revisar, pedir aprovação;
  • Escutar feedback sobre o trabalho feito, mudar, ajustar, tentar de novo até ser aprovado;
  • Mandar pro ar;
  • Fazer tudo isso de novo até dar 17h30 no relógio e ir pra casa.

Com o tempo, o ritmo diminuiu e a empresa entrou num momento difícil, o que acabou unindo todo mundo. Trabalhamos muito e vestimos a camisa — talvez tenhamos ficado anestesiados com a situação, sabendo que seria mais difícil ver as coisas se resolverem estando do lado de fora do que de dentro. Essa atmosfera de união foi algo que nunca mais vi no mundo corporativo.

Até que numa quarta-feira, tudo muda.

Indo na contramão de outros lugares, decidiu-se botar um aparelho eletrônico para vender no site. Não um qualquer, mas um que fazia muito sucesso na época, recém-lançado, num preço que realmente valia a pena. A comoção foi tanta que a dona da empresa decidiu fazer as imagens em vez de mim. Era importante demais, então ela assumiu a bronca.

A promoção foi ao ar e, depois de alguns minutos, a primeira venda. Depois a segunda, a terceira. No fim do dia, várias. No fim da semana, talvez o recorde de faturamento até ali. Investimento em propagandas para que a promoção aparecesse quase sempre no topo. Foi uma coisa absurda. Diziam por aí que o site chegou a aparecer entre os mais acessados do Brasil. Não sei dizer se era verdade. O que eu sabia é que não usamos nenhum microsserviço, Kafka ou Golang, e não ficamos fora do ar nenhuma vez.

Mas…

Milhares de unidades vendidas depois, tudo estava indo muito bem — aparelhos chegando, clima de festa. Depois de uma leva de entregas bem-sucedidas, começamos a ter problemas. Eles pararam de chegar. O que era festa virou caos.

A situação saiu do controle. Pessoas reunidas na sede da empresa cobrando suas compras, faixas com se não entregar no amor, vai entregar na dor, muros pichados, pneus queimados. Não sabíamos como proceder, então falávamos o mínimo possível para evitar a escalada da revolta.

No fim das contas, a poeira baixou depois de algumas semanas horríveis e as coisas se resolveram naturalmente. Podia falar sobre todas as coisas bonitas que essa experiência transformadora me trouxe, mas não. Se pudesse voltar no tempo, pularia do barco nos primeiros buracos. Não criou casca, e minha resiliência só me deu uma história esquisita pra contar.